pausa completa

O treino de 90 minutos de ontem abriu-me os olhos. Enquanto sentir este cansaço, não corro. Só parei 1 semana pós Ehunmilak, na semana seguinte tive logo 2 treinos de velocidade. Não há milagres e ver-me a fazer 2 runs easy acima dos 5:30 por km, e a sofrer enormemente para fazer 90 minutos de estrada, é sinal que isto não está nada bem.

Excelente artigo no tópico: Recover Better: 10 Rules For Optimal Ultramarathon Recovery

Tenho de comer melhor, dormir mais e estar quieto. É curioso que não me lembro de ter sentido este tipo de cansaço em particular, tão perto dos “ossos”. Também nunca fiz uma de 100 milhas antes. Próximo fim de semana praia com a minha filha, água fria, surf… não há nada melhor.

90′ easy, mas é o raio..

Muito calor, pareceu-me mais de 30 graus, vento forte e um percurso algo desnivelado devem exigir cuidado a analisar o pace deste treino, mas as sensações foram de um cansado extremo focado nas pernas.

Nem é bem dorido ou inflamado, do género massajar e doer, é mesmo como se viesse mais dos “ossos”. Tenho um run equivalente a este em Setembro de 2015 pelo menos 20 segundos mais rápido por km, pelo que não tenho dúvidas, estou uma lástima. Reforcei o intake de proteína e tenho de dormir mais e melhor.

Ocorreu-me que talvez este cansaço que sinto não seja só muscular e resultante da Ehunmilak, mas também seja o resultado dos primeiros treinos de velocidade em asfalto. Há mesmo bastante tempo que não treinava séries e este tipo de treinos em que vamos tipo drone em velocidade constante a levar com os impactos.

Hoje sofri imenso para terminar este treino de 90 minutos, eu que nunca fazia um long run abaixo das 4 horas em Sintra. Só demonstra bem a diferença grande entre o trail e estrada, o tipo de intensidade, estímulos e esforços em causa.

Terminei o treino na mesma pois não me senti à beira de uma lesão e para a semana vou ter uma pausa devido a imperativos logísticos. Eu ainda desconfio que estas restrições de possibilidade de treinar acabam por me fazer bem pois fazem-me ter pausas que previnem lesões. Vou ainda tentar amanhã de manhã fazer os 30 minutos de recuperação previstos e meter alguns treinos curtos de 30′ com a minha filha no carrinho, uma recuperação activa.

 

sinais de cansaço

Terça feira:

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Hoje, sábado, exactamente o mesmo treino… cansado.

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O plano sugere primeiro os 30 minutos e depois 60 minutos de fartlek / velocidade no treino da tarde. Achei estranha a ordem, até porque amanhã é um long run de 90 minutos. Mas quando comecei os 30 minutos fáceis percebo que há algo errado. Estou com dificuldades em manter o ritmo nos 145bpm a que queria ir para poder à tarde fazer os 60 minutos de fartlek.

O meu pace degradou-se e às tantas optei por transformar os 30 minutos fáceis num recovery, fazendo os possíveis o manter em sub 145pm, daí o suffer score apesar de tudo ser mais baixo em 4 pontos. Ainda pensei se fazia ou não o treino de velocidade da tarde, mas depois tornou-se óbvio que o melhor era não o fazer. Este é o tipo de fronteira da lesão ou da má qualidade de treino e que antes seguia cegamente. Agora já sei ler estes sinais. Gosto deste plano por ter estes runs mais leves pelo meio. É duro o bi-diário se fizermos os dois treinos sempre que especificado. Mas de outro modo pode ser mais seguro, porque o primeiro run fácil e curto serve de teste para ver se é boa ideia passado umas horas fazermos velocidade. Se eu tivesse partido logo para os 60 minutos de fartlek, que faria sempre, talvez me lesionasse ou amanhã estaria mesmo todo partido. Ainda estou com dores nas pernas e amanhã tenho uns 90 minutos que quero fazer bem.

15′ easy + 15′ treshold + 15′ easy

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Ok, se acertei em cheio no Treshold, tenho dúvidas quanto ao easy. Com o coração a 152 sentia-me relativamente easy por isso talvez o limite tenha de ir para lá de 146.

Ao comparar com os meus runs parecidos as diferenças são muito grandes. Um treino exactamente igual em 2013 foi feito, no global, a 6:01 por km e este foi a 5:20. Mas 2013 foi Madrid, as quatro horas. Em 2014 não tenho nenhum próximo, mas num de 4×8, os ritmos cardíacos foram surreais, para mesmo assim ser mais lento 30 segundos por km em média.

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Portanto, é inquestionável que estou mais rápido, mais forte, mesmo cansado ainda da Ehunmilak. E tenho 2.5kg a mais pelo menos. Mas estou ainda algo longe dos valores necessários para uma maratona sub 3h. Vamos tentar ter motivação para o treino por este mesmo facto, o de estar distante. Notei hoje uma maior intolerância a regimes extremos e isso é bem patente na diferença entre estes dois extremos, como aguentei em 2014 20 minutos acima dos 171 bpm. Agora a sensação é desconfortável. Estrada é uma coisa, trail é outra.

Não  vale a pena para já estar com grandes análises a paces. Hoje estava uma ventania enorme e fui correr para o EUL, que inclui algum desnível. Aliás, fui para EUL de propósito e dei a volta inversa à do costume (e bati o PR da mesma) porque queria não estar a pensar em bater recordes das voltas, da milha, etc. Isso é lá para Outubro…

10′ warmup 5×5′

Mais um treino quase sabotado pelo garmin 610. Depois de perder 20 minutos a tentar que aceitasse os dados, tive de ir com o suunto e fazer as cinco séries de 5 minutos manualmente durante o treino. Felizmente tinha um ecrã do suunto programado com ritmo cardíaco e cronómetro de “lap”.

O resultado:

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Ok, não estou eufórico. Atenuantes, estou cansado. E preciso de perder 2.5 quilos pelo menos se sonho sequer em fazer sub 3 horas.

Mas andei pelos 4:25-4:40… senti alguma desilusão ao analisar os dados. Sei que não forcei, acabei “bem”. Ainda não comparei  estes dados com outros semelhantes de 2014, mas o que suspeito que ou não fui suficientemente forte ou então  consigo manter regimes cardíacos mais elevados com menor percepção de sofrimento. Talvez nos 170 e tal de média eu consiga 4’10” por km. Para a próxima verificamos.

A julgar por este teste, poderia ambicionar talvez uma maratona em 3h e 10 minutos lá para Novembro, o que bate certo com as minhas estimativas realistas e mesmo assim seria rapar 20 minutos às 3h30 de Málaga.

Uma maratona sub 3h implica correr 42km num pace sub 4’15” que nem atingi hoje em séries de 1k. Penso que estou pronto para uma maratona sub 3h quando fizer um treino igual a este mas com ritmos sub 4′, tipo 3’45 por km.

Mas realista, eu? É mesmo por me parecer para lá do possível do que quero cumprir quase 4 meses de treinos específicos. Tenho é de encarar de forma positiva qualquer tempo abaixo das 3h30 de málaga, sejam 3h20, 3h15, 3h10… As 3h são uma barreira simbólica, mas talvez seja demasiado cedo para a transpor.

Agora descansar dois dias e preparar-me para sexta, sábado e domingo.

treino de séries abortado, patrocínio da Garmin

Tinha-me esquecido do pesadelo que é lidar o meu velhinho Garmin 610, o mesmo que me f**** na Maratona de Málaga ao resolver pifar no hotel 1h antes da partida. Esta coisa de ter um plano de treinos que é carregado automaticamente para o relógio foi o motivo pelo qual preferi o 610 na altura. É muito prático ligar o relógio e ter tudo programado, a duração dos intervalos, os ritmos cardíacos etc. e só ter de carregar no start e no stop.

Mas, ponto 1, carregar o 610 é um pesadelo descrito em muitos sites. O carregador faz mau contacto e é preciso rezar aos deuses. Além disso tem o problema do reboot infinito até a bateria se esgotar.

A plataforma Garmin Connect, que era relativamente robusta, está toda melhorada, ou seja, cheia de bugs e lenta. Tive de instalar updates e interface novo (garmin express).

Hoje de manhã tive logo problemas e agora ao fim da tarde percebi que ele não carregou plano nenhum, só as datas mas os exercícios estão sem títulos e sem dados. Desconfio fortemente que é devido ao número anormalmente alto de exercícios (mais de 100). O 610 tem uma memória limitada para o número de workouts.

A Garmin é tão competente que é impossível enviar um só workout do plano (ou um número de workouts), ou enviamos o plano todo ou nada. Podemos, claro, apagar um mês de setembro ou novembro, workout a workout, demoraria cerca de 5, 6 horas a fazer isso. Estúpidos.

Acho que tenho um work around a isto que é enviar o plano todo para o relógio, mas depois na sincronização, sobre a qual pelo menos agora temos controlo, escolher sincronizar workout a workout. Penso que pode resultar desde que o relógio não decida sincronizar tudo por iniciativa própria.

Seria óptimo testar isto se o meu relógio não estivesse há 10 minutos a fazer reboot.

Outra hipótese é programar eu próprio os workotus. Dá mesmo jeito é as séries, porque fazer repetições de 500m sempre a olhar para o cronómetro é chato, isso e ter de contar em quantas vamos.  O resto, como um long run ou easy runs ou tempo runs podem fazer-se bem só de ver o que é preciso fazer e levar sempre fita cardíaca. Mesmo sem os alarmes de ritmo cardíaco.

Para ser franco, também me sentia cansado e estava a hesitar. Ainda não estou recuperado da Ehunmilak. Amanhã faço as séries. Se o relógio resolver acordar.

E assim começa, maratona garmin nível 3

Dois treinos ‘fácei’s de 30 minutos, um ontem, outro hoje. Feitos com a fita cardíaca para acertar em cheio na média de 145bpm. Tive de me controlar. O pace andou pelos 5:20, 5:25 nos dois.

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Senti algum cansaço, afinal de contas passou pouco mais de uma semana desde a Ehunmilak: 170km e 10 000m nas pernas… Estou com receio e a ir com calma.

Quando comparo com um Easy 30′ de 2014 as diferenças são enormes. O pace em 2014 foi 5:36, mais 10 segundos, mas na verdade o meu easy equivalente em 2014 seria algo pelos 6:00 km a julgar pelos ritmos cardíacos:

Treino desta segunda feira.

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Treino de 2014…

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Os ritmos cardíacos não têm comparação sequer. Easy é que este treino de 2014 não foi.

Estou ainda muito pesado, com 2 quilos e meio a mais. Escolhi o plano de nível 3, mas não o devo seguir à risca até porque não terei tempo ou possibilidade para isso, penso eu. Em parte não é mau, porque evita lesões e este plano é muito exigente. Um exemplo de agosto:

 

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As grandes mudanças face ao Garmin Marathon Level 2 são os treinos bi-diários e os intervalos mais puxados e frequentes no plano. No intermediate havia, penso eu, apenas 1 treino de velocidade semanal e 1 fartlek ou hill. Aqui há 2 de velocidade e 1 fartletk ou hill, com alguns steadys pelo meio. Os intervalos são puxados, coisas como Run in Z4, threshold, 12 minutes. Run in Z2, recovery, 90 seconds. Repeat 3 times ou • Run in Z4, 10K pace for 1 km. Run in Z2, recovery, 75 seconds. Repeat 5 times. • Run in Z2, easy, 10 minutes. etc.

Como por questões de tempo e protecção de lesões devo ter de sacrificar alguns destes treinos, vou tentar privilegiar o trabalho de velocidade e intensidade que beneficia o VO2Max, bem como os long runs em asfalto. O Nível II tinha 5 treinos por semana, este tem muitas vezes oito treinos semanais. Não quer dizer que eu agora faça os tais 8 sempre, mas a vantagem de ter o plano assim é poder escolher uma maior variedade de treinos consoante o tempo que tenho livre e também que cada um seja mais exigente do que os de nível II. Afinal de contas trata-se de talvez tentar sub 3h e isso exige outro nível.

Não vou deixar de correr trail. Sempre que puder devo pelo menos treinar em Monsanto, excepto os intervalos e o long run.

Falta muito até 6 de Novembro e é crítico estar muito atento ao desgaste e a possíveis lesões.

alimentação numa ultra muito longa

iRunFar: You’ve run Hardrock now twice, has your thoughts regarding logistics or preparing for this race changed at all?

Jornet: Yes, I think the more you run 100 miles, the less you care about logistics. The first time you run 100 miles, you prepare every aid station what you want and things. Then you realize with the aid stations in the race, it’s enough. You know the things. It’s much simpler. You don’t need to carry gels or anything. You just get food at the aid stations.

Kilian Jornet na entrevista prévia à Hardrock http://www.irunfar.com/2016/07/kilian-jornet-pre-2016-hardrock-100-interview.html

É curioso que tanto eu como o João acabámos por ter os dois a mesma ideia genial, mas calma. Cada um de nós levava estratégias diferentes, o João ainda se dá bem com o Perpetuem + abastecimentos e eu levava geis e gomas + abastecimentos.

O certo é que consumi metade do que tinha previsto. No primeiro dropbag aos 80km carreguei apenas metade dos geis que tinha preparado. Não que me estivessem a cair mal, mas não estava a ser natural ingerir tanta coisa assim. Os abastecimentos são críticos numa prova que me durou quase 43h.

Vomitei muito aos 110, 120km. Nunca tinha vomitado numa ultra, foi a primeira vez. No MIUT fiquei enjoado, mas não vomitei. Aqui com o calor, as misturadas, o isotónico quente, vomitei tipo exorcista, com jacto. Fiquei deitado no chão com o esforço, foi daqueles vómitos de ressaca, biliosos, intermináveis.

Nesta altura tive medo que a ultra tivesse terminado para mim, mas não… passado 10-20 minutos sentia-me muito bem. Tivesse eu vomitado assim no MIUT – está a lição tomada. Mas o MIUT foi um óptimo teste. Quando cheguei ao abastecimento seguinte bebi um caldo (espécie de canja sem nada, só água, sal e gordura) e provei algumas coisas a medo. A pouco e pouco fui recuperando. Ainda fui testando comida, vomitando algumas coisas, outras não, mas descontraído.

A epifania foi o prato de massa quente, com tomate e queijo, em Etxteguerate, antes da última grande subida. Soube-me tão bem. E comi e comi. O meu corpo queria comida a sério.

A conclusão é que numa ultra mesmo muito longa é difícil depender de uma única fonte de comida. O isotónico soube-me deliciosamente até às 20h de prova, eu diria que é até bastante tempo, mas chegou a um ponto de limite. Como tinha passado pelo MIUT com enjoo de Pepsi, evitei Pepsi. Só quando enjoei é que provei Pepsi, já mais de 24h prova adentro. E soube-me bem. Percebi que o crítico é estar gelada, como o isotónico.

Em resumo, em provas de 100 milhas temos de nos habituar a ser flexíveis nesta ingestão de calorias e tentar comer a sério, comida a sério. E vomitar faz muito bem. Se tivesse vomitado copiosamente no MIUT talvez tivesse ressuscitado no posto de abastecimento. Em vez disso mantive-me enjoado muito tempo, muitas horas.

Fica a nota, só sei que nada sei, suponho. Improviso. Como o Jornet. Mas é preciso meter as calorias… O “calma” no primeiro parágrafo é porque os regulamentos proíbem explicitamente que os atletas levem comida dos abastecimentos. Nunca vejo os voluntários muito stressados com isto e na Ehunmilak vi alguns a fazerem isto e a recomendarem-me fazerem o mesmo. Enchiam os bolsos com palmiers, chocolate ou sandes…

Fica a dica.

Próximo objectivo – sub 3h na maratona do Porto?

Ainda não é oficial o objectivo das 3h. Estou inscrito na Maratona do Porto que vai decorrer a 6 de Novembro de 2016. Estou também inscrito na Maratona do Dão (estrada, em Viseu) que vai decorrer a 25 de Setembro de 2016. Esta meia maratona será um teste para a maratona, tenho de conseguir sub 1h30.

Para fazer sub 3h na maratona tenho de fazer um pace sub 4:15 minutos.

Os tempos alvo para outras distâncias (usando o infalível https://www.mcmillanrunning.com) são:

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Vou começar pelo de 1k, depois o de 5k, depois o de 10k e depois o da meia. Mas para já descansar.

conseguir correr qualquer distância

Isto não é ainda o relato, mas terminei a Ehunmilak ao fim de 42 horas e quarenta. Fiquei em 135 em 330 entrantes. Dos 330, 140 desistiram, quase metade.

Tinha previsto 40-42 horas conservadoras, demorei 42:40. Acabei a correr num bom estado anímico, exceptuando umas bolhas que me surgiram nas últimas 2 horas de muito calor.

Ontem discutia com amigos a propósito das próximas provas e dizia-lhes que eles conseguiam perfeitamente terminar a Ehunmilak, contra o cepticismo dos próprios que já conseguiram provas enormes e que têm até qualidades superiores às minhas em muitos pontos.

Penso que se prendiam ambos à questão dos números 168 (170km na verdade) e 11000m (um pouco menos de 10 mil). A minha convicção é a de que existe um ritmo que nos permite fazer longas distâncias, sejam elas quais forem. Milhares de quilómetros, se for preciso.

O desafio não é fazer 100, 160km, 200, 500km… O desafio é fazer essa distância dentro de um tempo limite.  É o tempo limite que torna a prova mais ou menos desafiante, mais ou menos possível. Em muitas ultras, o tempo limite não é demasiado apertado, ao ponto de ser possível fazê-las quase integralmente a andar. Numa prova como a Spartathlon o tempo limite é extremamente apertado. A maior parte dos finishers acaba no limite do tempo e costumam ser cerca de metade. Scott Jurek conseguiu um recorde no Apalachian Trail de 3500km: pouco mais de 46 dias. Conseguiu apenas umas horas abaixo do anterior recorde, mas para o conseguir nos últimos 4 dias fez mais de 200 milhas. Correu uma média de 80km por dia e foi a experiência mais dura que já fez, segundo o próprio, pois teve lesões graves. Portanto, o tempo limite pode ser o tempo oficial da prova como pode ser um tempo limite que é estabelecido como objectivo, como fazer sub xis horas numa 100k ou 100 miler, ou como o caso de Scott, bater um recorde.

Os ultra runners que procuram completar um evento, portanto, pessoas para quem isso é um desafio, têm de responder à questão chave é: qual é o meu ritmo que permite ser finisher no melhor tempo possível e com um conforto aceitável. Para perceber se podemos fazer uma ultra, temos de avaliar se conseguimos terminá-la no tempo limite com essa segurança. Quando arriscamos a participação numa prova sem essa segurança, vamos forçar o ritmo e o próprio conforto fica prejudicado pela ansiedade com o tempo.

O ritmo ideal é um que permite compensar o desgaste até à meta. Numa ultra (para o nível amador / finisher) vamos ter de encontrar um ritmo de desgaste sustentável (termo que inventei).

Este desgaste inclui:

  • Desidratação pelo suor e respiração
  • Cansaço muscular / articulações
  • Oxigénio (em altitude é um bem mais escasso)
  • Sais perdidos
  • Reservas de energia (grande parte dela proveniente do metabolismo de gordura)
  • Desgaste da pele dos pés como bolhas ou fissuras (um problema agravado com lama e calor )
  • Sono
  • Tédio, desmotivação, impaciência, frustração, desespero, medo  etc.
  • Problemas como entorses, quedas, feridas, enjoos, etc.
  • Perda de calor / hipotermia em temperaturas frias
  • Insolação, golpe de calor, queimaduras solares

Para todas estas coisas que nos sugam energia física e mental, existem formas de ir repondo o stock ou de nos protegermos. Há um déficit progressivo ou não chegaríamos à meta mais cansados do que na partida, mais doridos, mais assados e esfomeados. Formas de repor os stocks ou de os proteger:

  • Hidratação cuidadosa
  • Passada bem flexível, curta e conservadora, evitando grandes impactos
  • Ritmo que permite uma respiração normal e descontraída.
  • Electrólitos / pastilhas de sal.
  • Ingestão de calorias na quantidade certa.
  • Ritmo suficientemente lento para que a ingestão de calorias e o metabolismo de gordura sejam suficientes para alimentar o motor – evitar picos cardíacos como correr nas rampas (optar por andar todas as subidas é uma boa opção).
  • Passada conservadora, troca de peúgas e sapatilhas, uso de tape, cuidado na passada em cima de pedras etc.
  • Dormir
  • Motivação absoluta (objectivo: acabar dê por onde der)
  • Ir com cuidado para evitar quedas, máxima concentração, passada cuidadosa, levar medicamentos como benuron, voltarene, fita adesiva etc.
  • Equipamento adequado para as condições da prova.
  • Momentos de descompressão como prestar a atenção à paisagem, falar com voluntários ou outros corredores, saborear uma sombra fresca, uma comida agradável. Desfrutar.

Uma das dificuldades numa ultra muito longa é perceber que ritmo é este e como gerir o equilíbrio entre o desgaste o intake / protecção, uma vez que em princípio ele será tão suave nos primeiros quilómetros que o corpo não dá feedback relevante até ser tarde. Não se trata só do ritmo da corrida. Numa ultra como a Ehunmilak muita gente desiste por ter os pés cozidos da lama e do calor, o que causa fissuras e bolhas graves. A solução passa por evitar lama ao máximo, trocar de sapatilhas e peugas secas e proteger bem os pés com tape. Contudo, notem que o evitar da lama e a substituição das peugas e sapatilhas ocorre antes do problema surgir.

Aí entra um conhecimento e a experiência de provas anteriores e treinos longos ou em más condições. Muitos ultrarunners raramente treinam na intensidade e ritmos ou condições que vão ter numa ultra. Por exemplo, nos treinos podem correr todas as subidas, ou atingir regimes cardíacos nas zonas anaeróbias ou quase (zona 3, 4) mesmo quando não precisam. O que sucede nas ultras com subidas muito extremas (a maior parte delas) é que esses picos cardíacos são inevitáveis mesmo para andar e especialmente em altitude. Qualquer movimento exige esforço e eleva os ritmos, acelera o consumo de energia e leva o atleta para o abismo. Se o atleta também força quando não precisa, como nas subidas suaves, ou em plano, está a fazer a cama para morrer numa subida em que não tem saída. Eu mesmo com todos os cuidados fui destruído pela subida de 1700m em 12 ou 15km ao txindoki com temperaturas superiores a 30 graus e isto ao km 104. Tive de me deitar numa sombra completamente inerte, a morrer,  tive problemas de estômago, mas nada de grave para desistir. Recuperei a pouco e pouco. Tenho a certeza que se tivesse forçado antes desse momento, teria ficado muito pior. Desde que comecei a corrida que sabia que iria ter de subir ao Txindoki mais à frente.

A abordagem certa é entrar na corrida com ‘o ritmo’ desde início, mantendo o olho no tempo limite nos cut-offs. Não é plausível a meu ver alguém entrar nestas provas sem uma ideia mínima do tempo que fará. Isso significa que não tem noção de qual é o seu ritmo normal naquela altimetria e distância.

Os treinos ou provas mais curtas para treinos devem procurar explorar esses limites e exposição aos factores de desgaste. Nunca serão semelhantes aos de uma ultra, mas terão de existir alguns testes.

Parte do problema (não é um problema, mas uma característica) de quem subestima a capacidade de fazer uma prova com uma distância maior do que alguma vez fez prende-se com coisas como

  1.  não se sentir confortável em ritmos lentos e correr num esforço forte que tem, em teoria, de aplicar ao longo de 20, 30 ou 40 horas, ou seja, só corre uma de 100km ou 100 milhas com muito desnível quando conseguir corrê-la como actualmente corre provas menores – e isto é legítimo, não é de todo uma crítica!
  2. Acabar as provas que faz esgotado porque, por serem curtas, conseguem levar-se ao limite e terminar. Como terminam esgotados pensam “impossível correr o dobro do que corri”
  3. Como correm em esforço / sofrimento, a ideia de prolongar isso pelo dobro ou triplo do tempo não lhe parece muito agradável
  4. Nunca passaram pela morte e pela ressurreição de uma ultra muito longa em que isso pode suceder algumas vezes.

 

Sobre o ponto 4, numa ultra de 168km não há dúvida que existem momentos altos e baixos. Eu não posso esquecer que os meus últimos 20-30km foram feitos com bastante energia e que 50km antes estava a morrer.

Posto isto, o principal desafio é espiritual, mental, quando se salta para as ultra ultras. Quando as pessoas se focam em números e altimetria esquecem esta vertente. Pensam que o corpo é que não aguenta. Como se um ultrarruner que consegue uma prova de 100km e 6000m não tivesse corpo para 168 e 11000m ou 300km e 20000m. Tem: desde que atine com o ritmo sustentável, desde que o tempo limite dessa prova não lhe impossibilite esse ritmo e desde que saiba proteger-se das agressões como bolhas, assaduras, enjoos, frio, calor, etc.