Review do Garmin Fenix 5x que parece má mas não

Depois de o utilizar cerca de 6 meses, incluindo no Ultra Trail do Mont Blanc, e em resposta a pedidos de amigos para dar uma opinião, resolvi colocar aqui a lista das minhas apreciações ao dito. A maior inovação face aos produtos do passado ou da linha garmin (incluindo o garmin 5) é permitir ter mapas com cartografia detalhada no pulso.

(não é o meu braço)

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Background relevante: uso produtos da Garmin para aventura desde 2004 ou 2005 quando adquiri um 60cx que já na altura tinha mapas a cores.

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Fiz muitos raids de BTT a solo com ele, recorrendo a tracks importados de sites como http://www.gpsies.com que tinham uma base de dados fenomenal. Para mim isto foi revolucionário. Foi com este que explorei Sintra, Arrábida ou Montejunto, mesmo sem conhecer o terreno, aventurando-me por trilhos e tendo consciência de que estava a fazer um percurso circular de 30, 40 ou 50kms.. A sensação de explorar e investigar a solo ou sem um “guia” a levar-nos, é de uma liberdade imensa.

Poder ter isso no pulso era a premissa do Garmin 5x que só adquiri porque o meu Suunto Ambit 2 teve um treco (mas resolveu-se com um reset, já o vendi entretanto pelo OLX).

Vou citar os pontos em que fiquei agradavelmente surprendido e desiludido. Ao contrário das reviews clássicas começo pelo mau… :

1) Tem uma coisa magnífica que é a possibilidade de gerar percursos aleatórios com uma distância pré-definida e uma direcção geral, mas o algoritmo do round route generator é extremamente impreciso. Calcula quase sempre kms a mais por larga margem. Pedimos um percurso de 10km ele marca 12km. Pedimos um de 20 e ele pode fabricar um de 24kms. Já os gero a pensar nisto e dou desconto, se quero fazer 15km peço um de 11kms.

2) Demora muito tempo. Ele gera 3 rotas na direcção que especificarmos (norte, sul, este oeste ou “any” em que é aleatório). Podemos escolher uma das três. O meu conselho é meter o relógio na varanda a calcular porque DEMORA. O que mete outro problema. Já me aconteceu ele entrar em sleep durante o calculo porque o deixei sossegado.

3) fica limitado por barreiras geográficas. Por exemplo, estando no campo grande são uns 5-6kms até ao Tejo indo para sul até ao terreiro do paço. Se pedirmos um percurso de 15kms para sul ele fica a anhar. Eu imaginaria que faria 5kms até ao rio e depois ao longo do rio, mas não. Não calcula.

4) se sairmos do percurso estamos lixados. Aconteceu-me sair para beber água num bebedouro e só me afastei uns 200 metros da course. Ele simplesmente saiu do modo de navegação e a rota que estava a fazer perdeu-se completamente. Não é que se corra o risco de nos perdermos (há sempre o registo do track para trás e mapas) mas perde-se o cálculo de fazer xis kms numa round route.

Isto são os problemas relacionados com o round route generator. Mas eles derivam em geral da lentidão enorme do relógio nas tarefas de computação. Acreditem, o garmin 60cx de 2004 handheld é mais rápido, muito mais rápido, que o relógio de 2017 a fazer as mesmas operações. Eu usava o 60cx no carro ou no BTT a alta velocidade. Já testei o 5x em ciclismo de estrada e é um bocadinho para esquecer. O ecrã é demasiado pequeno para ser seguro, mesmo com um suporte. E a refresh rate dos mapas é demasiado lenta! É frequente o mapa ficar em branco (até a correr acontece se fizeremos zoom out).

Mais problemas: os bugs garmin. Quem vem de um suunto ambit 2 que era analógico e fiável como uma máquina… E isto é típico da Garmin. Tive um garmin 610 que era um pesadelo. No dia da maratona de málaga resolveu morrer assim do nada. A Garmin tem aparelhos complexos cheios de features interessantes, mas depois torna os relógios mais propensos a erros. O garmin 5x já me fez mais partidas em 6 meses que o suunto em anos.

A precisão instantânea do monitor cardíaco óptico de pulso é má comparada com fita.

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Usei fitas cardíacas fiáveis no Garmin 610, num 210 e no Ambit 2. Fiz planos de treinos para meia maratona, maratona II e III da garmin sempre com fita cardíaca. Afinei as minhas zonas cardíacas de referência ao longo de muitos kms… Cheguei a calcular um abaixamento de 5-6bpm só de deixar de fumar em duas semanas. Fiz maratonas a gerir os bpms. Consigo já adivinhar que o meu coração está a 145bpm, 155bpm ou 170bpm pelas sensações do corpo. E posso assegurar que, apesar de nunca ter feito o teste de 2 relógios e comparar, não bate a bota com a perdigota com tudo o que sejam treinos com ritmos muito variáveis, especialmente trail com desnível ou séries. Coloquei a questão em fóruns da garmin e nada. Em Sintra em declives acentuados comigo a ofegar e a latejar, claros sintomas de 175bpm ele dizia 120bpm. Nos fóruns as teorias sucedem-se: “é por causa dos bastões” etc. Eu pensei que tinha a ver com a cadência. Num declive muito acentuado ele podia simplesmente achar que eu estava a ir demasiado lento para a intensidade cardíaca e ter algo que corrigisse potenciais erros. Mas asseguraram-me que a Garmin não tem nenhum algoritmo corrector do pace para evitar erros de medida.

Ou seja, em resumo, acho que é bom e mais prático que fita para treinos estáveis, em média por km não difere demais da fita, mas não serve para treinar séries ou avaliar desempenho. Talvez outros tenham outra experiência.

Mais pontos negativos: os menus, a integração com o telemóvel, a tonelada de ferramentas garmin…

Não sei o que se passa na cabeça dos tipos da Garmin mas alguém bom em heurística ou processos de tomada de decisão precisa de dar uma perninha lá. A Garmin tem uma desorganização extrema nas platormas.

Só para ter um garmin 5x tenho de ter:

O Garmin Map Install (instalar mapas), Garmin Express (ligar relógio ao pc) e Garmin Base Camp (para gerir mapas e percursos). No telemóvel tenho o Garmin Connect onde faço upload dos treinos e tenho insights e se gerem settings. E online outro Garmin Connect que não tem nada a ver com o do telemóvel. A ajudar à festa, a sofisticação do Garmin 5x permite mexer em settings no próprio relógio (como as zonas cardíacas, dados, unidades etc.) ao contrário do Suunto que não permitia nada. Colocam-se problemas graves ao nível de hierarquia. Se eu defino o meu peso no relógio isso sincroniza o peso no Connect? Pela minha experiência não. Nem o contrário. Podemos ter pesos diferentes em duas plataformas (não acontecia no garmin 610 em que era sincronizado).

Outro problema grave, o Movescount tinha mapas abertos em que era possível pesquisar moradas. O Garmin Basecamp tem mapas garmin não pesquisáveis como os mapas abertos (google maps etc.).

Enfim, isto é próprio da Garmin que parece um enorme frankenstein na integração de várias plataformas e que insiste nos seus próprios mapas que em certos tópicos são muito inferiores aos abertos como os da Google. Inúmeras vezes fiquei frustrado por perceber que com o telemóvel e o Google Maps me oriento melhor do que com o relógio GPS xpto. Ora, o Garmin 60cx em 2004 dava-me algo que nenhum telemóvel podia dar. Os tempos mudaram, suponho.

Os menus são caóticos. Caóticos. Por exemplo, para mexer nas definições de navegação a meio de um treino de corrida há 3 opções. Três: “Run Settings”, “Navigation”, “Navigation Settings”… Pensaríamos que o Run Settings só diz respeito a corrida, mas chegando lá aparecem temas como “MAP” e “ROUTING”. O map permite definir setings dos mapas e o routing avoidances como estradas etc. que eu diria fazer parte do NAVIGATION. Só que… Navigation…? Ou Navigation Settings? É surreal. Os menus da Garmin parecem o meu escritório (sou um génio, deixem-me).

Pontos positivos face à experiência do suunto ambit 2

1) O random route generator. A possibilidade de estabelecer uma rota circular de xis kms tem um potencial enorme, especialmente em locais desconhecidos. Ele escolhe mesmo trilhos, parques, ruelas, ciclovias… Fiquei fascinado com o detalhe e conhecimento de terreno que revela e mesmo em Lisboa onde já corri 500x descubro percursos novos. É um relógio que nos permite ir para uma cidade qualquer ou local, estacionar o carro, marcar 10, 20 ou 30kms e ele desenha um percurso que seguimos. A forma de seguir o percurso até é divertida. Há um indicador de distância em metros até à próxima viragem e tem vibração que nos avisa que nos estamos a aproximar de uma mudança de direcção ou rua. Isto acaba por quebrar um treino longo em pequenas etapas e faz com que não estejamos sempre a olhar para o relógio.

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A favor também o facto dos percursos me parecerem até agora bastante aleatórios. Tive receio que se metesse 20kms north duas vezes no mesmo local ele calculasse a mesma coisa. Tem um grau de randomness interessante, focando mesmo assim em locais corríveis.

2) É realmente incrível poder fazer upload do treino para o telemóvel sem cabos, isto começou no suunto ambit 3 mas eu estava habituado a outra coisa mais arcaica

3) é bonito. É um relógio bonito (mas não diria que é bonito num pulso mais estreitinho, é um relógio grande). A correia é muito confortável e parece boa. A do Ambit 2 era um plástico rígido muito mau.

4) as notificações de mensagens e chamadas… pensei que ia odiar mas adoro. Nunca perco chamadas. Mesmo como parceiro de trabalho é importante. Recebo mensagens no relógio (whatsapp, messenger etc.) e posso ler logo no pulso. Como tenho uma filha pequena também me descansa saber que mesmo a meio de um treino longo posso ter o telemóvel na mochila e se recebo uma mensagem ou chamada telefónica posso ver no pulso se é importante ou não sem ter de tirar a mochila e desenterrar o telefone.

5) Carrega muito, muito rápido comparado com o ambit 2. Para mim isso é fenomenal para as ultras porque carrego os relógios com powerbank a meio. O fénix fica com carga completa em pouco tempo. O lock com o cabo é forte, embora não se possa usar o relógio e carregar (não se pode com nenhum acho)

6) Esforço da Garmin em desenvolver aplicações e métricas interessantes para o dia a dia como os passos, os andares que se sobem, as horas de sono. Os objectivos são dinâmicos e mudam consoante o nosso histórico. Mas também denotam algum desnorte na garmin quando têm os problemas gravíssimos de arrastarem plataformas e interfaces paralelos que não comunicam entre si.

Veredicto: se acham que vão dar uso ao random route generator, força. Como venho de uma geração de relógios muito arcaica (incrível como 3 anos parece uma eternidade) o facto do relógio ser-me útil no dia a dia com as notificações também é relevante. Não pensem no 5x como sequer uma aproximação a handheld devices da Garmin que estão léguas à frente ou gps próprios para ciclismo ou para substituir o GPS do carro ou do telemóvel com google maps para descobrir se é na próxima rua ou na seguinte que está o restaurante tal e tal.

Os mapas são giros, mas não vejo futuro na Garmin a insistir nos seus mapas próprios para o segmento de consumidor e o interface relógio de pulso tem limitações sérias. Talvez comandos de voz no futuro?

É um relógio sólido de treino, boa bateria, fácil de fazer upload e sincronização (mais ainda com o mais recente update que resolveu esse bug).

Sintam-se à vontade para discordar, podem ter experiências diferentes.

7 thoughts on “Review do Garmin Fenix 5x que parece má mas não

  1. Relativamente ao usar enquanto estas a correr, verifica se nos settings/system podes mudar o modo usb para Garmin. Quando carregas ele pergunta se queres em modo mass storage. Se disseres que não ele mantem o relogio e carrega. Pelo menos no Fenix3 é assim. Abraço

  2. Uma nota em relação à geração dos percursos, podes fazer na app para o telemóvel (pelo menos em android dá) e depois passar para o relógio. É capaz de ser mais rápido do que deixares o relógio a fazer esse trabalho.

    Esta funcionalidade do random route generator deve funcionar com modelos antigos desde que permitam seguir percursos. No fenix 3 consigo usar, mas claro que não vou ver os mapas no relogio, vejo apenas a linha do track a seguir.

  3. Uau, o random route generator parece uma funcionalidade extraordinária! Embora não seja suficiente para me afastar do meu velhinho Suunto Ambit 2. A coisa que mais aprecio nele é poder planear rotas e guardá-las no relógio para seguir, já me permitiu conhecer muitas cidades quando vou de viagem, e mesmo aqui em Londres é do melhor para conhecer novas zonas e ruas. Só que dá trabalho, pelo que gerá-las aleatoriamente é mesmo muito aliciante.

    Tem graça que tenhas falado de como o relógio é mais duvidoso a controlar o ritmo cardíaco – pessoalmente acho a fita do Suunto muito imprecisa, quase sempre me demora dois ou três km até acertar o ritmo, o que acaba por depois indicar uma média completamente errada. Não sei se a estou a usar mal, e já mudei de pilha uma ou duas vezes sem resolver o problema. É muito aborrecido quando quero fazer séries controlando o esforço, deixei de a usar.

  4. João Cravo, podes sempre usar o dwmap e assim já tens mapas no Fenix 3.

    Concordo com o está descrito acima mais precisamente na medição de FC instantânea. Nota-se bem o delay na medição. Para series é para esquecer. Mas continuo a adorar o relógio (tenho o 3)

  5. Muda os mapas para Open Maps, usa mais a app do telefone e sempre que tiveres de fazer upload de mapas de percursos, segmenta sempre por um máximo de 50 km. Estes passos vão fazer contigo o que fizeram comigo – passei a gostar mais do relógio e a deixar quase sempre o Spartan Ultra de lado em detrimento do Fénix 5 X.

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